Menu Principal
Portal do Governo Brasileiro
Logotipo do IPEN - Retornar à página principal

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

Ciência e Tecnologia a serviço da vida

DESENVOLVIMENTO  
Portal > Institucional > Notícias > Clipping de Notícias

Césio 137: Tragédia seria mais grave

Físico foi o primeiro a confirmar a contaminação por radiação em 1987 e diz ter impedido que cápsula fosse jogada no Córrego Capim Puba, o que pioraria situação

Fonte: O Popular - Goiânia

A narrativa da corrida contra o tempo é digna de um filme de ficção, mas hoje, 30 anos depois, o físico Walter Mendes Ferreira lembra-se com precisão de todos os fatos daquele 29 de setembro de 1987, quando, além de ter sido o primeiro a confirmar a contaminação por radiação do césio 137, com um aparelho, impediu que a peça que estava na Vigilância Sanitária Estadual, então na Rua 16-A, no Setor Aeroporto, fosse jogada no leito do Córrego Capim Puba. Como havia pouco mais de um grama de cloreto de césio no interior do que restou do equipamento e foi levado para a Vigilância Sanitária, ele acredita que a possibilidade de contaminação seria mínima, mas o impacto psicológico seria muito maior do que ocorreu. "Seria o caos”, resume.

Mendes estava fora de Goiânia e veio passar o aniversário com o pai. Por volta de 7h30 do dia 29, recebeu o telefonema de um amigo, Jadson de Araújo, que informou que o médico Alonso Monteiro, do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), estava suspeitando de contaminação por radiação no caso de pacientes com quadro de vômito, febre, diarreia e perda de cabelo. "Eu disse que não acreditava porque esses são sintomas difíceis de ocorrer, caracterizam a síndrome aguda de radiação, seria preciso que eles tivessem recebido doses elevadíssimas”. Para fazer a verificação da peça que estava na Vigilância Sanitária, ele lembra que foi até o escritório da antiga Nuclebras (hoje Indústrias Nucleares do Brasil) e pegou um cintilômetro emprestado. "Não é o equipamento mais adequado, mas tem uma sensibilidade boa.”

Chegando à Vigilância Sanitária, a aproximadamente 60 metros, Mendes percebeu que o cintilômetro, que por acaso estava ligado, saturou a medida, o que significava que estava próximo a uma fonte radioativa grande ou com defeito. Acreditando nesta possibilidade, Mendes voltou à Nuclebras e trocou o aparelho. "Nesse ínterim, alguém chamou o Corpo de Bombeiros dizendo que estava havendo vazamento de gás na Vigilância Sanitária. Quando cheguei, havia três bombeiros, um deles saindo com o saco onde estava a fonte. ‘Não se preocupe, vou jogar no Capim Puba’, ele disse. E eu pedi: ‘Não faça isso’”. A partir da confirmação de que se tratava de material radioativo, começou a reconstituição do caminho percorrido pela fonte.

O primeiro lugar visitado foi o ferro-velho de Devair Alves Ferreira, na Rua 26-A, no Setor Aeroporto. "O cintilômetro apontava sinais muito antes de chegar. No local, ele nem media mais.” No local, os dois funcionários do ferro-velho que morreriam no mês seguinte vítimas de contaminação, Admilson Alves de Souza, de 18 anos, e Israel Batista dos Santos, de 22. Eles contaram como a peça havia chegado ao ferro-velho, levada por Roberto Santos Alves e Wagner Mota Pereira, que, por sua vez, a retiraram do prédio onde funcionou o Instituto Goiano de Radioterapia (IGR). "Eu conhecia os médicos. Fui à Associação de Combate ao Câncer e falei com o (Carlos) Bezerril, um dos diretores do IGR. Ele disse que era impossível que a fonte de césio não estivesse lá, mas foi o que constatamos, quando chegamos ao prédio abandonado”.

O passo seguinte foi avisar às autoridades. Mendes lembra que o governador à época, Henrique Santillo, além de médico, foi professor de Física e não teve dificuldade em calcular o tamanho do risco. O secretário de Saúde, Antônio Faleiros, levou o caso ao conhecimento do governador e do responsável pela área de instituições nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), José de Júlio Rosenthal. O trabalho de localização de possíveis contaminados continuou. "As pessoas nos davam o roteiro”, explica Mendes. Um dos maiores níveis de radiação estava no ferro-velho de Ivo Alves Ferreira, pai de Leide das Neves, a primeira a perder a vida, aos 6 anos, em decorrência do contato com o césio. Quando os técnicos estavam na casa, juntou-se a eles o físico Flamarion Goulart, que tinha um equipamento mais apropriado para medir a radiação, um contador Geiger-Müller.

Rosenthal chegou a Goiânia à 0h30 do dia 30 de setembro. Mendes lembra que às 3h30 daquele dia, ele e Rosenthal estavam sentados na pracinha quase em frente ao prédio onde então funcionava a Vigilância Sanitária, hoje Centro de Assistência aos Radioacidentados (C.A.Ra), quando o diretor da Cnen questionou se seria possível colocar uma manilha em torno da cadeira com a fonte e concretar. "Era uma forma de tentar minimizar as taxas do equipamento, que ainda eram muito altas e assim foi feito”.

Questionado sobre o que teria acontecido caso a peça tivesse sido jogada no leito do córrego, Mendes, atualmente Chefe da Divisão de Rejeitos Radioativos da Cnen, diz que a tragédia teria sido muito maior. "Haveria uma desconfiança muito grande, seria extremamente complicado, porque quando há pessoas contaminadas cria-se uma fobia psicológica”, esclarece. Para Mendes, o acidente de Goiânia deixou lições importantes, iniciando pela convivência com as vítimas. A área médica aprendeu muito, avalia.

Depois de 30 anos, Walter Mendes esteve em Goiânia participando de eventos temáticos. Diz que teve reencontros emocionados com as vítimas e com pessoas que participaram dos duros trabalhos daqueles dias em 1987. "Toda hora chegava alguém e me perguntava: ‘conhece esse aqui?’ ou ‘lembra dessa pessoa?’. São filhos de pessoas que acompanhamos naquela época, que tiramos de casa.”


Eventos